Avaliação farmacológica antimalarial de hidroxietilaminas
Avaliação antimalarial in vivo
Os ensaios farmacológicos antimalariais foram realizados no Departamento de Farmacologia do Instituto de Tecnologia em Fármacos – Farmanguinhos, FIOCRUZ.
As hidroxietilaminas foram avaliadas quanto a atividade antimalarial in vivo utilizando o teste de supressão de 4 dias com P. berghei causador de malária em roedores. Camundongos C57BL/6 foram infectados via intraperitoneal com 107 P. berghei pRBCs oriundos de um rato previamente infectado. As hidroxietilaminas (10 mg/Kg/dia diluído in 5% DMSO) ou artesunato (10 mg/kg/dia diluído em 10% de etanol e 90% de propilenoglicol) foram administrados oralmente diariamente. Quatro dias após a infecção, uma gota espessa de sangue foi utilizada para a determinação da parasitemia pelo método de coloração Diff-Quick. Cinco dias após a injeção intraperitoneal de P. berghei observou-se um aumento intenso da parasitemia. Dentre as substâncias testadas, destacou-se a hidroxietilamina 5g, que levou a uma inibição de 51% da parasitemia nos camundongos infectados quando comparado com o fármaco de referência Artesunato (21%). Outro importante resultado é que 5g aumentou a sobrevivência dos camundongos em comparação aos não tratados.
Figura 1. (A) Parasitemia sanguínea em camundongos infectados com Plasmodium berghei (5 x106 pRBC) após o tratamento com artesunato (10mg/Kg/dia, barra cinza) ou 5g (10mg/Kg/dia, barra branca) (B) Tabela representando a sobrevivência de camundongos sem tratamento (veículo), com artesunato ou com 5g em função dos dias após infecção com Plasmodium berghei.
Ensaio de hemólise in vitro
O teste de hemólise in vitro foi realizado visando descartar que a inibição da parasitemia pudesse ser resultado de ação hemolítica. A exposição de eritrócitos a soluções contendo diluições em série de 5g em tampão fosfato-salino (na faixa entre 31,2 a 1000 μg/mL) não apresentou ação hemolítica, sugerindo que 5g age diretamente no parasita.
Cultura in vitro dos estágios sanguíneos
Também foi avaliado o efeito das substâncias testadas no desenvolvimento do parasita in vitro de acordo com a figura abaixo. Os parasitas não tratados foram capazes de se diferenciar para o estágio esquizonte após 24 horas em cultura, o que não ocorreu com os parasitas tratados com artesunato ou 5g (1000 µg/mL), o que sugere que a hidroxietilamina 5g pode interferir no metabolismo do parasita. Apesar das evidências apresentadas, são necessários mais experimentos utilizando cepas de Plasmodium sp para elucidar o mecanismo de ação.
Figura 2. Atividade hemolítica e esquizonticida de diferentes doses de 5g. (A) Eritrócitos incubados em solução de saponina 1% (100% de hemólise) ou PBS (sem hemólise) foram incluídos como controle. O vazamento de hemoglobina foi determinado por absorvância a 620 nm de comprimento de onda. (B) Porcentegem de esquizontes vivos após 24 horas de tratamento in vitro com astesunato (barra cinza e 5g (barra branca). (C) Histogramas representativos da intensidade da GFP-fluorescência representativa dos estágios sanguíneos dos esquizontes.
Medicinal Chemistry (Hilversum) 8, 266-272, 2012
Novas combinações de fármacos
O uso de diferentes fármacos, a politerapia, é uma importante estratégia no combate a diferentes tipos de doenças apresentando uma série de vantagens, tais como redução no tempo de tratamento, maior eficácia e prevenção de resistência. Uma outra vantagem na combinação de fármacos é a dose fixa combinada, que por definição é a combinação de dois ou mais fármacos em um único medicamento apresentando, além das vantagens anteriormente mencionadas custo, armazenamento e adesão ao tratamento.
Trabalhos Realizados em Colaboração com Outros Grupos de Pesquisa
Artemisininas
Este trabalho foi realizado em colaboração, no laboratório da Professora Danièle Bonnet-Delpon na faculdade de farmácia de Châtenay–Malabry, Paris, França.
Atualmente, os derivados da artemisinina apresentam uma grande relevância no tratamento da malária, e algumas vantagens são atribuídas a essas substâncias em relação às outras classes de antimalariais, como a eliminação de parasitas presentes no sangue periférico de maneira mais efetiva do que os outros fármacos antimalariais e por serem em geral são bem tolerados pelos pacientes. No entanto esta classe de compostos apresenta algumas desvantagens, como a sua baixa estabilidade metabólica, o que leva a um tempo de meia-vida relativamente baixo e a alta taxa de recrudescência da parasitemia, geralmente observada na monoterapia.
Com o intuito de evitar a recrudescência da parasitemia e o desenvolvimento de parasitas resistentes às artemisininas, o principal regime de tratamento recomendado pela OMS é a terapia de combinação baseada em artemisinina (ACT – do inglês: artemisinin-based combination therapy). Esse sistema de tratamento consiste na combinação de um derivado da artemisinina com outro fármaco que apresenta um mecanismo de ação diferente, o qual irá eliminar os parasitas persistentes. Alguns exemplos de ACTs são: arteméter mais lumefantrina, artesunato mais amodiaquina, artesunato mais mefloquina e artesunato mais sulfadoxina-pirimetamina, todas recomendadas para o tratamento de malária não complicada, causada por P. falciparum.
No entanto, apesar das ACTs diminuírem a taxa de recrudescência, resta os problemas relacionados à baixa estabilidade metabólica e em meio ácido.
Um estudo realizado em colaboração com o laboratório BioCIS pertencente ao CNRS (Universidade Paris Sud-11) sob a supervisão dos professores Danielle Bonnet Delpon e Benoit Crousse teve como objetivo a síntese e a avaliação farmacológica de derivados híbridos contendo um grupamento CF3-artemisinina e um grupamento 4-amino-7-cloroquinolina em suas estruturas, que são unidos por uma ligação hidrolisável, que pode ser quebrada no meio biológico, liberando as duas substâncias e seus respectivos sítios farmacofóricos. Além disso, em cada derivado há uma variação no comprimento da cadeia alquílica (que varia de dois a seis átomos de carbono) entre os átomos de nitrogênio da cadeia lateral básica ligada ao núcleo quinolínico. O objetivo deste estudo envolveu a elaboração de substâncias que atuem como prófármacos, estratégia útil para de se corrigir os perfis farmacocinéticos e farmacodinâmicos de substâncias que apresentam baixa biodisponibilidade, como os compostos derivados da artemisinina.
Após serem devidamente purificadas e caracterizadas, os derivados das séries 1, 2 e 3 tiveram suas atividades biológicas avaliadas in vitro frente à cepa de P. falciparum 3D7. Todas as substâncias apresentaram excelentes atividades, na escala de nM, destacado-se os compostos descritos na tabela abaixo, os quais foram os mais ativos em sua respectiva série. Um desses compostos foi, inclusive, mais ativo do que o fármaco de referência DHA, demonstrando o potencial dos derivados sintetizados no desenvolvimento de novos tratamentos para o combate à malária.